terça-feira, 9 de abril de 2019

Nunca me sonharam - Resenha


Nunca me sonharam - Resenha

O documentário Nunca me Sonharam foi lançado em junho de 2017,
dirigido Cacau Rhoden, produzido por Maria Farinha Filmes e
apresentado pelo Instituto Unibanco, apresenta histórias da vida escolar
de diversos jovens brasileiros de oito estados e de todas as regiões do país.
O título do documentário foi retirado da fala de um dos estudantes
entrevistados, Felipe Lima, de Nova Olinda (CE), ele diz: “Eles nunca
me sonharam sendo um psicólogo, nunca me sonharam sendo um professor,
nunca me sonharam sendo um médico, não me sonharam. Eles não
sonhavam e nunca me ensinaram a sonhar. Tô aprendendo a sonhar sozinho”.
Além de Felipe, vários estudantes do país falaram sobre suas histórias,
suas dificuldades, a presença ou não de sonhos e a importância da escola
em suas vidas. Não só estudantes, mas também professores, gestores e
estudiosos da educação e da vida adolescente foram ouvidos no documentário.
O filme apresenta um retrato do ensino médio brasileiro, as dificuldades encontradas por
jovens das classes menos abastadas do país em relação à aprendizagem, às
oportunidades para essa fase escolar e para o prosseguimentos na educação superior.
Jovens, profissionais e estudiosos da educação elencam diversos pontos de dificuldades,
tais como, a violência, a evasão, a necessidade de trabalhar concomitantemente à escola
para colaborar com a renda familiar, a falta de estrutura das escolas, a falta de relação entre
os conteúdos aprendidos na escola com a vida prática, dentre outras questões.
Como obra audiovisual Nunca me sonharam foi bem sucedido, pois é bem realizado, possui
uma fotografia moderna, dinâmica, que em parceria com a trilha sonora, emociona o
telespectador e mobiliza afetos. Sensibiliza para os diversos discursos de ausências
apresentadas na obra, ausências hora de perspectivas, afeto familiar, hora de políticas
públicas e amparo por parte dos sistemas de ensino.
Assisti ao filme algumas vezes, na faculdade, em reunião de professores e em reunião com
os alunos do grêmio escolar. Sempre terminei as sessões comovida com as histórias de
exclusão e com a valentia dos profissionais da educação envolvidos na obra. Porém é
necessário falar sobre outras questões presentes no filme, ou não tão evidentes.
Uma dessas questões é trazida na resenha realizada pela revista de Educomunicação
Viração, que a juventude é percebida quase sempre pelo que a sociedade entende como
negativo, como o tipo de música ouvida, os modos de se organizar para a diversão.
A escola e a sociedade tendem a enxergar o jovem como um vir a ser, negando o presente
como algo de valor, como vida acontecendo.
Outras questões, agora não tão subjetivas ou belas, são as levantadas pela resenha da
revista Carta Capital, que denuncia um trabalho orquestrado pelo Instituto Unibanco com o
intuito de justificar a reforma do ensino médio, já aprovada na Câmara dos Deputados e
apontando para uma possível solução dessa questão por meio da privatização da educação
de nível médio no país, haja vista que todas as cidades que aparecem no documentário,
principalmente em relação à medidas inovadoras, estão vinculadas ao projeto Jovem de
Futuro desenvolvido pelo Instituto Unibanco.
Todavia, independente de questões financeiras, o assunto do documentário é de grande
relevância e deve ganhar espaço nos debates entre professores, acadêmicos, gestores
públicos e também entre os alunos e alunas, os maiores interessados em terem sonhos e
em alcançá-los.
Assim, assistir ao documentário é essencial para fomentar o debate e despertar o senso
crítico de todos os envolvidos na educação básica. Mesmo que algumas pessoas possam
concordar ou discordar completamente das ideias veiculadas na obra, elas cumprem a
função de jogar luz sobre um assunto crucial na vida de milhares de jovens brasileiros.
p.s.: Texto escrito no 2º semestre de 2017 para o Portfólio do 3º semestre do Curso de Pedagogia Interdisciplinar da UNICeu - UAB - Centro Universitário São Camilo, mas penso que ainda bastante relevante.
Referências
BONFATTI, Paula. Documentário reflete sobre o Ensino Médio a partir da escuta de jovens
estudantes. Viração. 7 de junho de 2017. Disponível em:
http://viracao.org/documentario-reflete-sobre-o-ensino-medio-a-partir-da-escuta-de-meninos-e-meninas-estudantes/.
Acesso em 13 de novembro de 2017.

CÁSSIO, Fernando. Nunca me sonharam e o sequestro das histórias. Carta Capital.
6 de setembro de 2017. Disponível em:
http://www.cartaeducacao.com.br/artigo/nunca-me-sonharam-e-o-sequestro-das-historias/.
Acesso em: 05 de novembro de 2017.

NUNCA ME SONHARAM. Direção de Cacau Rhoden. Produção de Maria Farinha Filmes.
Apresentado por Instituto Unibanco, 2017. Disponível em:
http://www.videocamp.com/pt/movies/nuncamesonharam.
Acesso em: 02 de agosto de 2017.




domingo, 7 de abril de 2019

Dia 15 de outubro, diagnóstico, percurso, vida

Dia 15 de outubro, diagnóstico, percurso, vida


- É necessário fazer biópsia. Agende o mais rápido possível.
- Ok.
Vamos lá, vamos fazer. Agulha, ultra som, teto branco, não pode engolir, mas a vontade
é absurda, cutuca o pescoço, dói um pouco, só um pouco e já era. O pescoço fica
estranho, dolorido, mas bora pegar o ônibus e encarar mais um dia de trabalho, porque
não tem atestado, é só o comprovante de horas.
O resultado vem impresso em uma folha branca, dobrada em três partes e grampeada.
Ah tá! Que eu não vou abrir. Era dia 15 de outubro, dia dos professores, naquela tarde
saindo na Rua Borges Lagoa, joguei o grampo longe, não, não joguei, não jogo lixo no
chão, mas deu vontade. Tirei o grampo delicadamente, desdobrei o papel e li, lá no final
da folha a palavra temida, carcinoma alguma coisa. A visão turvou, um imenso buraco
se abriu no chão a minha frente e eu senti o corpo caindo, caindo, sem parar. Não havia
mais barulho de carros ou pessoas, apenas o silêncio, olhar turvo e a sensação de
queda.
Uma buzina me tirou do transe, eu sabia que o resultado era ruim, que viria muita coisa
difícil pela frente, sabe-se lá quanta coisa, quanta agulha, quantos remédios. Respirei
fundo, de novo e de novo, o buraco foi se fechando e a visão clareando. É eu tenho
câncer.
Consultas, exames, consultas, exames, exames e cirurgia para março, achei a data
ótima tinha que terminar de ler alguns livros e artigos e escrever o TCC da
especialização em educação inclusiva. Com toda essa loucura de diagnóstico e
agendamento de cirurgia eu tinha conseguido fazer as entrevistas da pesquisa de campo,
só faltava analisar os dados, bobagem! Quase nada pra fazer! E escrever a
fundamentação teórica, parte mais simples do artigo! Meu plano era perfeito, aproveitar
as férias forçadas da sala de aula para estudar e escrever. Agora, uma coisa são os
meus planos, outra bem diferente são os planos do universo. Universo filha da puta!
Explico: a cirurgia foi cancelada, uma anestesista cismou que eu tinha apneia e cancelou
a cirurgia. O futuro mostrou que ela tinha razão e talvez o universo tenha conspirado para
que eu continuasse viva, agradeço profundamente por isso, porém na questão
acadêmica eu estava ferrada. Teria que dar conta de tudo, terminar de ler e escrever o
artigo, trabalhar em duas escolas, aplicar provas, fechar notas de bimestre, enlouquecer!
Sei lá como consegui fazer tudo o que precisa e no final de abril estava novamente no
hospital para ser internada e fazer a cirurgia. Parece mais uma degola mesmo, mas deu
tudo certo. Sai câncer e entra uma cicatriz de 15 centímetros no pescoço, remédios
diários e um bônus, paralisia da corda vocal, ou prega vocal em mediquês. Uma amiga
muito querida começou a me chamar de Darth Vader, a gente tem mesmo que rir dessas
coisas. Eu achava parecido com a voz do pato Donald, mas o que eu sentia era que
a Bruxa do Mar tinha roubado a minha voz, assim como fez com a Ariel.
Mais médicos, fonoaudióloga, ela era uma fofa, fiquei boa sabe, na verdade quase, depois
de um ano, se a paralisia não se reverter com a ajuda dos exercícios não tem mais jeito,
passa a ser permanente.
Professora sem voz? Pode isso, Arnaldo?
Pois é, não pode. Seis meses em casa, ficando louca, assistindo a todas as séries e
filmes na Netflix e participando de atividades no Ponto de Cultura, no Cordão Folclórico
de Itaquera Sucatas Ambulantes, construindo sonhos com arame, papel e cola voltei
para a escola e lá tive que me reinventar. A professora que não pode falar. Mas rolou.
Fui pirar em projetos, pensar em livros e em não deixar morrer a vontade de estar junto
à molecada, contribuindo com o aprendizado deles e me realizando, porque pra mim é
muito louco ser professora, eu tinha que continuar fazendo isso, tinha que achar um
caminho.
Acho que rolou, são quase quatro anos inventando coisas pra fazer, curtindo os desafios,
lidando com dificuldades e nesse tempo a voz até voltou, meio mais ou menos é
verdade, mas capaz de continuar dia após dia, diagnóstico difícil após diagnóstico difícil.
É, porque já são 4 anos de tratamento, duas cirurgias, radioiodoterapia, ressonâncias
magnéticas, tomografias, cintilografia, exames de sangue, nossa inúmeros, e vou
seguindo.
Consegui terminar aquele TCC de educação inclusiva, já escrevi outro para a
especialização em mídias na educação e agora já estou pensando no TCC da pedagogia,
essa vai ser em grupo, desafiador, pois eu sou um ser solitário, gosto da minha
companhia, mas não me furto de andar com gente espetacular. Ah! Porque meus amigos
e familiares, que estão sempre ao meu lado, são espetaculares, são incríveis, seguram
a minha mão quando eu preciso e riem comigo das coisas mais bestas.
O câncer foi de tireoide, hoje ele ainda mora nos meus pulmões, não por minha vontade, mas ele
é um hóspede insistente. Vamos seguindo juntos por aí, procurando novas aventuras, livros,
praias, músicas, afetos. Procurando manter a cabeça erguida e os olhos no horizonte.
A vida é boa!