Niède Guidon e o Parque Nacional
Serra da Capivara
Imagino que vocês já ouviram
muitas histórias, contos de fadas, fábulas, contos de assustar e mais um
tanto de outros gêneros literários como o cordel, a poesia, as parlendas. E
mais um outro tanto de gêneros textuais que estão presentes no nosso dia a dia,
como os bilhetes, as mensagens instantâneas nas redes sociais, receitas
culinárias, as bulas de remédios... eita que a lista é longa!!
Mas hoje eu vim contar pra vocês um tipo de história diferente, a história de uma pessoa. O nome dela é Niède Guidon. Se ela mesma tivesse escrito um livro sobre sua própria história, o gênero literário seria autobiografia, mas para o nosso papo de hoje eu vou contar a história que as escritoras Duda Porto de Souza e Aryane Cararo escreveram sobre a Niède, sendo assim o nosso gênero literário é a biografia.
Antes ainda de entrar na história
da Dra. Niède, calma não estou enrolando, eu só quero explicar porque
escolhi contar pra vocês a história de uma cientista brasileira, sendo que
vivemos dentro de um universo de histórias. É porque nesse momento da nossa
vida a ciência está sendo fundamental, cientistas descobriram rapidinho o que
era essa doença nova, esse vírus, e estão a cada dia descobrindo formas de
sairmos dessa situação, com as vacinas, por exemplo. Vamos conseguir, tenho
certeza. Mas o mundo sempre vai precisar de cientistas. Quem sabe alguém aqui
se anima!
A Niède nasceu em 1933 na cidade
de Jaú, no interior do estado de São Paulo. Menina curiosa, queria sempre saber
como funcionavam as coisas, por que os olhos das bonecas abriam e fechavam? O
que é que tinha dentro da barriga das bonecas? Sabe aquelas bonecas que falam?
Por que elas falam? Como funciona o aparelhinho que faz sair o som? Por
essas e por outras a família inteira tinha certeza de que a menina seria médica
e ela gostava mesmo de saber de tudo. Mas aos finais de semana... ela ia sempre
ao sítio dos avós. Lá ninguém segurava a menina, a diversão dela era correr pra
todo lado e subir e descer das árvores.
A menina cresceu e foi prestar o
vestibular pra medicina na USP – Universidade de São Paulo, quis o destino, que
no dia de uma das provas ela tivesse uma dor de cabeça gigante que a fez perder
a prova. A saída foi fazer faculdade de história natural pensando em depois
trocar para medicina, porém a nossa menina, que já estava uma moçona ficou
encantada com o curso de história natural, lá ela estudava sobre as plantas, os
animais e sobre a terra. Não deu outra, ela se formou em história natural e foi
ser professora.
Mas a nossa moça era danada de
curiosa e queria saber mais sobre arqueologia, queria estudar a pré-história,
os seres humanos e animais que viveram naquele tempo. Decidida como ela só, e
vocês verão o quanto essa moça era decidida, ela partiu para a França e foi
estudar arqueologia na Sorbonne e na Universitè de Paris, trè bien (muito bom),
oui (sim).
Com a cabeça cheia de novos
conhecimentos e muita vontade de estudar a pré-história brasileira, Niède
voltou para São Paulo e foi trabalhar no Museu do Ipiranga, o Museu Paulista
que é ligado à USP.
Preciso fazer uma observação
aqui, esse Museu é lindo!! Ele está fechado para reformas faz um tempão, mas se
tudo der certo, ele será reaberto ano que vem em comemoração ao bicentenário da
Independência. A Independência do Brasil foi dia 7 se setembro de 1822.
Em 1963 a Dra Niède organizou uma
exposição de fotos de desenhos rupestres brasileiros, lá no Museu do Ipiranga.
Num certo dia, apareceu um senhor muito distinto que pediu para conversar com a
responsável pela exposição. Nossa cientista recebeu aquele senhor, ela era
prefeito da cidade de Petrolina, Pernambuco, ele mostrou pra Niède uma foto com
desenhos rupestres e disse que lá na terra dele, perto da cidade em que ele era
prefeito tinha desses “desenhos de índio”, as pessoas da região chamavam assim
aquelas misteriosas imagens pintadas nas rochas. Niéde ficou interessadíssima,
já contei pra vocês que ela era danada de curiosa né?. Ela pegou todas as
informações de como chegar até os desenhos e já traçou um plano de ir até lá.
Essa conversa aconteceu em julho e no dezembro seguinte ela estaria de férias e
iria conferir de pertinho os desenhos.
Mas no meio do caminho tinham
estradas péssimas, que ainda por cima foram castigadas por grandes chuvas.
Nossa pesquisadora aventureira e seu carro ficaram pelo caminho. Frustrada, mas
sabendo que a natureza tem uma força descomunal, ela deu meia volta.
Em 1964 as coisas ficaram
estranhas no Brasil, uns chamam o que aconteceu de golpe, uns chamam de
contrarrevolução, independente do nome que se use, o fato é que muitas pessoas,
dentre elas inúmeros professores da USP foram denunciados e presos. A Niède foi
denunciada como comunista e teve sua prisão decretada, mesmo sem nunca ter
participado de nenhum partido político. A tia dela ficou sabendo disso e a
colocou num avião direto para Paris. Em Paris ela teve que se virar, como já
tinha estado por lá anos antes conseguiu um trabalho de assistente com uma
antiga professora.
As imagens dos desenhos rupestres
pintados nas rochas no interior do Piauí não saiam da cabeça dela, mas por
muito tempo não teve jeito, a distância impedia uma nova tentativa de visita.
Em 1970 Niède veio ao Brasil com uma missão francesa para estudar povos indígenas de Goiás, ela se organizou para visitar os desenhos em São Raimundo Nonato no Piauí, chamou umas amigas arqueólogas que conheceu na USP e foram as três num jipe 4X4 mato a dentro. Chegando na cidade, elas conseguiram a ajuda de algumas pessoas que conheciam bem aquele lugar e foram até lá mostrar os desenhos para as pesquisadoras. Elas ficaram encantadas, eram muitos desenhos, diferentes de todos que a Dra. Niède já tinha visto em seus estudos. Ela fotografou o máximo que conseguiu e voltou para Paris.
Com as fotos que tirou a Niède
conseguiu que a França criasse uma missão franco brasileira, olha, isso é um
negócio complicado, porque envolve embaixadas, universidades e dinheiro, mas ela
não descansou e foi conversar com muitas pessoas para conseguir realizar a
pesquisa no Piauí. Assim, em 1973 aconteceu a 1ª missão franco-brasileira que a
partir de 1978 passou a vir ao Brasil todos os anos trazendo professores e
muitos alunos das universidades.
Foi tão grande a quantidade de
pinturas e objetos pré-históricos encontrados naquela região que em 1979 a Dra
Niède e a missão francesa conseguiram que o governo brasileiro criasse um
parque nacional naquele lugar, o Parque Nacional Serra da Capivara.
Foram tantas e tão importantes
descobertas realizadas no Parque que em 1991 a Unesco – Organização das Nações
Unidas para Educação, Ciência e Cultura - declarou que o Parque Nacional Serra
da Capivara é um Patrimônio Cultural da Humanidade.
Pra vocês terem uma ideia a Dra Niéde encontrou sinais de humanos na região datados de 50 até 102 mil anos. Isso causou um alvoroço no mundo da ciência, até então os cientistas diziam que o Homo Sapiens, essa nossa espécie sabe, chegou às Américas há 12 mil anos. Como assim que essa pesquisadora aí está dizendo que encontrou indícios de 102 mil anos??
Mas a nossa cientista curiosa e
braba demais, não se deixou abater continuou suas pesquisas, porque ela sabe
que em ciência é assim que as coisas acontecem, você faz uma descoberta que
pode ser contestada ou confirmada por outros estudos, por novas descobertas.
Esses estudos encontraram muitas
evidências da presença do homem na Serra da Capivara, ela encontrou ferramentas
de pedra lascada, fogões de pedra com carvão e restos de animais, cerâmicas,
além dos milhares de desenhos rupestres. Todas essas descobertas foram
estudadas em laboratórios da Inglaterra e da França, com tecnologias avançadas
que analisam o carbono 14 e conseguem determinar a idade desses fósseis.
Além das descobertas relacionadas
a presença do homem, a Dra Niède e muitos outros pesquisadores que passaram
pelo Parque nesses 50 anos encontraram fósseis de animais marinhos, é aquele
lugar no meio do sertão, do semiárido, um dia já foi mar, mas isso já faz
milhares de anos. Encontraram também uma megafauna com animais que podiam
chegar a 3 metros de altura como a preguiça gigante e pesar toneladas como o
mastodonte e o tatu gigante, não menos importante, e legal demais, é saber que
lá também já viveu o tigre dente de sabre. No tempo em que esses grandes
animais viviam lá o clima era diferentes, era úmido e tropical, conforme o
clima foi mudando esses animais foram sendo extintos, mas há indícios de que
viveram lá ao mesmo tempo que os homens!
Atualmente o clima da região é
semiárido e os animais que vivem lá são bem menores, como o tamanduá bandeira,
tamanduá mirim, várias espécies de tatus, veados, macacos prego, mocó (espécie
de roedor), onça pintada, onça vermelha e diversas espécies de aves, lagartos e
serpentes.
Esses 50 anos de muito trabalho e
estudo de muita gente, mas especialmente da Dra, Niède Guidon, incansável
guerreira pela preservação do Parque e pela melhoria de vida das pessoas da
região, resultaram num Parque com estrutura para receber milhares de visitantes,
uma fábrica de cerâmica com artesãos que são moradores das cidades do entorno
do Parque e dois museus, o Museu do Homem Americano e o novinho Museu da
Natureza. Soma-se a isso diversos projetos e parcerias com escolas e
universidades. Ah! E é muito importante dizer que todos os guias do parque também
são moradores da região.
Uma vez um jornalista perguntou à
Niède o que ela encontrou lá no Parque, além das conquistas profissionais e
científicas, ela disse: “eu encontrei e uma beleza fantástica. Nos meus piores
dias, quando eu estou pra estourar, vou lá pro Parque e as coisas se acalmavam,
porque a beleza da natureza é uma coisa fantástica, a beleza de todas as
sociedades que nos precederam e sobretudo as que viveram lá, que você encontra
nas pinturas, que era uma sociedade feliz e rica. Quando eu comparo com a
miséria de hoje, principalmente das crianças, nós trabalhamos com mutas
crianças, eu acho que nós temos que resgatar. E é isso que me segura lá. Eu
acho que o Piauí vai voltar a ser o que ele já foi, uma região de riqueza e felicidade.
(Pesquisa e texto desenvolvidos para a Semana Literária da Escola Municipal Anselmo Duarte a convite da minha querida amiga Prof. Silvana. Foi uma honra, muito obrigada!)
Referências
Amaral, Aurélio. 5 animais
gigantes que habitaram o Brasil há milhares de anos. Nova Escola. 2015.
Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/225/5-animais-gigantes-que-habitaram-o-brasil-ha-milhares-de-anos
Fontenelle, Astrid. Mulheres
Admiráveis – Niède Guidon. 2020. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=4M5oq6jjrQk>
Souza, Duda Porto de; Cararo,
Aryane. Niède Guidon. Extraordinárias: Mulheres que revolucionaram o Brasil. São
Paulo: Seguinte, 2017.
TV Cultura. Niède Guidon. Roda
Viva 17/11/2003. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?vR1Uu6xjN5nU&list=WL&index=45&t=1s>
TV Cultura. Niède Guidon. Roda
Viva 29/09/2014. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=AXa2e5AcU0E&list=WL&index=48>
TV Gazeta. Todo Seu, Grandes
Mulheres – Niède Guidon. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=a-fWRPAI9Fg&list=WL&index=52>
Univesp TV. Vida de Cientista –
Niède Guidon, 10/07/2014. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=LY6kADIdIiU&list=WL&index=63>
Ver Ciência Mostra Internacional
de Ciência na TV. Niéde, uma Pré-História. 2018. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=VLXlQGibMOU&list=WL&index=64>