sexta-feira, 30 de abril de 2021

Niède Guidon e o Parque Nacional Serra da Capivara

Niède Guidon e o Parque Nacional

 Serra da Capivara

Imagino que vocês já ouviram muitas histórias, contos de fadas, fábulas, contos de assustar e mais um tanto de outros gêneros literários como o cordel, a poesia, as parlendas. E mais um outro tanto de gêneros textuais que estão presentes no nosso dia a dia, como os bilhetes, as mensagens instantâneas nas redes sociais, receitas culinárias, as bulas de remédios... eita que a lista é longa!!

Mas hoje eu vim contar pra vocês um tipo de história diferente, a história de uma pessoa. O nome dela é Niède Guidon. Se ela mesma tivesse escrito um livro sobre sua própria história, o gênero literário seria autobiografia, mas para o nosso papo de hoje eu vou contar a história que as escritoras Duda Porto de Souza e Aryane Cararo escreveram sobre a Niède, sendo assim o nosso gênero literário é a biografia.

Antes ainda de entrar na história da Dra. Niède, calma não estou enrolando, eu só quero explicar porque escolhi contar pra vocês a história de uma cientista brasileira, sendo que vivemos dentro de um universo de histórias. É porque nesse momento da nossa vida a ciência está sendo fundamental, cientistas descobriram rapidinho o que era essa doença nova, esse vírus, e estão a cada dia descobrindo formas de sairmos dessa situação, com as vacinas, por exemplo. Vamos conseguir, tenho certeza. Mas o mundo sempre vai precisar de cientistas. Quem sabe alguém aqui se anima!

A Niède nasceu em 1933 na cidade de Jaú, no interior do estado de São Paulo. Menina curiosa, queria sempre saber como funcionavam as coisas, por que os olhos das bonecas abriam e fechavam? O que é que tinha dentro da barriga das bonecas? Sabe aquelas bonecas que falam? Por que elas falam? Como funciona o aparelhinho que faz sair o som? Por essas e por outras a família inteira tinha certeza de que a menina seria médica e ela gostava mesmo de saber de tudo. Mas aos finais de semana... ela ia sempre ao sítio dos avós. Lá ninguém segurava a menina, a diversão dela era correr pra todo lado e subir e descer das árvores.

A menina cresceu e foi prestar o vestibular pra medicina na USP – Universidade de São Paulo, quis o destino, que no dia de uma das provas ela tivesse uma dor de cabeça gigante que a fez perder a prova. A saída foi fazer faculdade de história natural pensando em depois trocar para medicina, porém a nossa menina, que já estava uma moçona ficou encantada com o curso de história natural, lá ela estudava sobre as plantas, os animais e sobre a terra. Não deu outra, ela se formou em história natural e foi ser professora.

Mas a nossa moça era danada de curiosa e queria saber mais sobre arqueologia, queria estudar a pré-história, os seres humanos e animais que viveram naquele tempo. Decidida como ela só, e vocês verão o quanto essa moça era decidida, ela partiu para a França e foi estudar arqueologia na Sorbonne e na Universitè de Paris, trè bien (muito bom), oui (sim).

Com a cabeça cheia de novos conhecimentos e muita vontade de estudar a pré-história brasileira, Niède voltou para São Paulo e foi trabalhar no Museu do Ipiranga, o Museu Paulista que é ligado à USP.

Preciso fazer uma observação aqui, esse Museu é lindo!! Ele está fechado para reformas faz um tempão, mas se tudo der certo, ele será reaberto ano que vem em comemoração ao bicentenário da Independência. A Independência do Brasil foi dia 7 se setembro de 1822.

Em 1963 a Dra Niède organizou uma exposição de fotos de desenhos rupestres brasileiros, lá no Museu do Ipiranga. Num certo dia, apareceu um senhor muito distinto que pediu para conversar com a responsável pela exposição. Nossa cientista recebeu aquele senhor, ela era prefeito da cidade de Petrolina, Pernambuco, ele mostrou pra Niède uma foto com desenhos rupestres e disse que lá na terra dele, perto da cidade em que ele era prefeito tinha desses “desenhos de índio”, as pessoas da região chamavam assim aquelas misteriosas imagens pintadas nas rochas. Niéde ficou interessadíssima, já contei pra vocês que ela era danada de curiosa né?. Ela pegou todas as informações de como chegar até os desenhos e já traçou um plano de ir até lá. Essa conversa aconteceu em julho e no dezembro seguinte ela estaria de férias e iria conferir de pertinho os desenhos.

Mas no meio do caminho tinham estradas péssimas, que ainda por cima foram castigadas por grandes chuvas. Nossa pesquisadora aventureira e seu carro ficaram pelo caminho. Frustrada, mas sabendo que a natureza tem uma força descomunal, ela deu meia volta.

Em 1964 as coisas ficaram estranhas no Brasil, uns chamam o que aconteceu de golpe, uns chamam de contrarrevolução, independente do nome que se use, o fato é que muitas pessoas, dentre elas inúmeros professores da USP foram denunciados e presos. A Niède foi denunciada como comunista e teve sua prisão decretada, mesmo sem nunca ter participado de nenhum partido político. A tia dela ficou sabendo disso e a colocou num avião direto para Paris. Em Paris ela teve que se virar, como já tinha estado por lá anos antes conseguiu um trabalho de assistente com uma antiga professora.

As imagens dos desenhos rupestres pintados nas rochas no interior do Piauí não saiam da cabeça dela, mas por muito tempo não teve jeito, a distância impedia uma nova tentativa de visita.

Em 1970 Niède veio ao Brasil com uma missão francesa para estudar povos indígenas de Goiás, ela se organizou para visitar os desenhos em São Raimundo Nonato no Piauí, chamou umas amigas arqueólogas que conheceu na USP e foram as três num jipe 4X4 mato a dentro. Chegando na cidade, elas conseguiram a ajuda de algumas pessoas que conheciam bem aquele lugar e foram até lá mostrar os desenhos para as pesquisadoras. Elas ficaram encantadas, eram muitos desenhos, diferentes de todos que a Dra. Niède já tinha visto em seus estudos. Ela fotografou o máximo que conseguiu e voltou para Paris.

Com as fotos que tirou a Niède conseguiu que a França criasse uma missão franco brasileira, olha, isso é um negócio complicado, porque envolve embaixadas, universidades e dinheiro, mas ela não descansou e foi conversar com muitas pessoas para conseguir realizar a pesquisa no Piauí. Assim, em 1973 aconteceu a 1ª missão franco-brasileira que a partir de 1978 passou a vir ao Brasil todos os anos trazendo professores e muitos alunos das universidades.

Foi tão grande a quantidade de pinturas e objetos pré-históricos encontrados naquela região que em 1979 a Dra Niède e a missão francesa conseguiram que o governo brasileiro criasse um parque nacional naquele lugar, o Parque Nacional Serra da Capivara.

Foram tantas e tão importantes descobertas realizadas no Parque que em 1991 a Unesco – Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura - declarou que o Parque Nacional Serra da Capivara é um Patrimônio Cultural da Humanidade.



Pra vocês terem uma ideia a Dra Niéde encontrou sinais de humanos na região datados de 50 até 102 mil anos. Isso causou um alvoroço no mundo da ciência, até então os cientistas diziam que o Homo Sapiens, essa nossa espécie sabe, chegou às Américas há 12 mil anos. Como assim que essa pesquisadora aí está dizendo que encontrou indícios de 102 mil anos??



Mas a nossa cientista curiosa e braba demais, não se deixou abater continuou suas pesquisas, porque ela sabe que em ciência é assim que as coisas acontecem, você faz uma descoberta que pode ser contestada ou confirmada por outros estudos, por novas descobertas.

Esses estudos encontraram muitas evidências da presença do homem na Serra da Capivara, ela encontrou ferramentas de pedra lascada, fogões de pedra com carvão e restos de animais, cerâmicas, além dos milhares de desenhos rupestres. Todas essas descobertas foram estudadas em laboratórios da Inglaterra e da França, com tecnologias avançadas que analisam o carbono 14 e conseguem determinar a idade desses fósseis.

Além das descobertas relacionadas a presença do homem, a Dra Niède e muitos outros pesquisadores que passaram pelo Parque nesses 50 anos encontraram fósseis de animais marinhos, é aquele lugar no meio do sertão, do semiárido, um dia já foi mar, mas isso já faz milhares de anos. Encontraram também uma megafauna com animais que podiam chegar a 3 metros de altura como a preguiça gigante e pesar toneladas como o mastodonte e o tatu gigante, não menos importante, e legal demais, é saber que lá também já viveu o tigre dente de sabre. No tempo em que esses grandes animais viviam lá o clima era diferentes, era úmido e tropical, conforme o clima foi mudando esses animais foram sendo extintos, mas há indícios de que viveram lá ao mesmo tempo que os homens!

Atualmente o clima da região é semiárido e os animais que vivem lá são bem menores, como o tamanduá bandeira, tamanduá mirim, várias espécies de tatus, veados, macacos prego, mocó (espécie de roedor), onça pintada, onça vermelha e diversas espécies de aves, lagartos e serpentes.

Esses 50 anos de muito trabalho e estudo de muita gente, mas especialmente da Dra, Niède Guidon, incansável guerreira pela preservação do Parque e pela melhoria de vida das pessoas da região, resultaram num Parque com estrutura para receber milhares de visitantes, uma fábrica de cerâmica com artesãos que são moradores das cidades do entorno do Parque e dois museus, o Museu do Homem Americano e o novinho Museu da Natureza. Soma-se a isso diversos projetos e parcerias com escolas e universidades. Ah! E é muito importante dizer que todos os guias do parque também são moradores da região.

Uma vez um jornalista perguntou à Niède o que ela encontrou lá no Parque, além das conquistas profissionais e científicas, ela disse: “eu encontrei e uma beleza fantástica. Nos meus piores dias, quando eu estou pra estourar, vou lá pro Parque e as coisas se acalmavam, porque a beleza da natureza é uma coisa fantástica, a beleza de todas as sociedades que nos precederam e sobretudo as que viveram lá, que você encontra nas pinturas, que era uma sociedade feliz e rica. Quando eu comparo com a miséria de hoje, principalmente das crianças, nós trabalhamos com mutas crianças, eu acho que nós temos que resgatar. E é isso que me segura lá. Eu acho que o Piauí vai voltar a ser o que ele já foi, uma região de riqueza e felicidade.


(Pesquisa e texto desenvolvidos para a Semana Literária da Escola Municipal Anselmo Duarte a convite da minha querida amiga Prof. Silvana. Foi uma honra, muito obrigada!)


Referências

Amaral, Aurélio. 5 animais gigantes que habitaram o Brasil há milhares de anos. Nova Escola. 2015. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/225/5-animais-gigantes-que-habitaram-o-brasil-ha-milhares-de-anos

Fontenelle, Astrid. Mulheres Admiráveis – Niède Guidon. 2020. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=4M5oq6jjrQk>

Souza, Duda Porto de; Cararo, Aryane. Niède Guidon. Extraordinárias: Mulheres que revolucionaram o Brasil. São Paulo: Seguinte, 2017.

TV Cultura. Niède Guidon. Roda Viva 17/11/2003. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?vR1Uu6xjN5nU&list=WL&index=45&t=1s>

TV Cultura. Niède Guidon. Roda Viva 29/09/2014. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=AXa2e5AcU0E&list=WL&index=48>

TV Gazeta. Todo Seu, Grandes Mulheres – Niède Guidon. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=a-fWRPAI9Fg&list=WL&index=52>

Univesp TV. Vida de Cientista – Niède Guidon, 10/07/2014. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=LY6kADIdIiU&list=WL&index=63>

Ver Ciência Mostra Internacional de Ciência na TV. Niéde, uma Pré-História. 2018. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=VLXlQGibMOU&list=WL&index=64>