sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Relato sobre a minha atuação como orientadora do Grêmio Estudantil

Relato sobre a minha atuação como orientadora do Grêmio Estudantil, de outubro de 2015 a setembro de 2019

Lado Leste - São Paulo


Em outubro de 2015 retornei à escola após um longo período de afastamento médico. Impossibilitada de lecionar, assumi uma função atribuída pela diretora da unidade, cuidar dos projetos da escola. Além dos projetos pontuais que a escola desenvolvia havia o Grêmio Estudantil que precisava de um professor orientador. Formalmente essa atribuição seria do Professor Mediador de Conflitos, porém a escola estava com sérios desfalques em sua equipe, para mais de 1 mil alunos havia apenas uma inspetora, dessa forma, o tempo do Professor Mediador era bastante preenchido pelos diversos conflitos do dia a dia escolar, sendo assim, resolvemos desenvolver o trabalho com o Grêmio em parceria.

Outubro de 2015 também marcou o início de uma grande insatisfação da sociedade e dos alunos, após o anúncio do Governador em reestruturar a rede de mais de 5000 escolas espalhadas pelo Estado de São Paulo. Na reestruturação havia a previsão de tornar cada escola para atendimento exclusivo ao Ensino Fundamental 1 Anos Inicias, Ensino Fundamental 2 Anos Finais ou Ensino Médio, dessa forma separando irmão mais velhos dos mais novos e, em muitos casos, aumentando a distância entre a escola e a casa dos estudantes. Esse fato causou grande reação entre os estudantes secundaristas, muitos grupos, alguns ligados aos Grêmios Estudantis, ocuparam as escolas e permaneceram nelas por longos períodos, a situação toda só se resolveu com a desistência do Governo Estadual em realizar a reestruturação.

É nesse clima que começo as minhas atividades numa escola em que não houve ocupação, não havia organização estudantil para isso, porém aconteceram discussões para a formulação de orientações para a eleição do Grêmio Estudantil do ano seguinte. Alguns estudantes do Ensino Médio estavam muito interessados no movimento de ocupação das escolas estaduais e queriam fortalecer a participação dos alunos como um todo.

No início de 2016 a Secretaria Estadual de Educação desenvolveu um cronograma organizando e institucionalizando o processo eleitoral, digo isso pois cada passo do processo, obrigatoriamente, deveria ser reportado à direção da escola e a Diretoria de Ensino. Nas orientações enviadas para a escola constavam as datas para cada passo do processo eleitoral e referências bibliográficas, produções do Instituto Sou da Paz, a cartilha Grêmio Estudantil é Hora de Participar e o Caderno Grêmio em Forma.

O primeiro passo do processo foi informar sobre a função da escola e sua importância para todos, que aconteceu por meio de visitas às turmas realizadas pela atual gestão do Grêmio acompanhados por mim. Seguido por convocação para assembleia geral, escolha dos representantes de sala, realização da assembleia com a escolha da comissão eleitoral, formulação e votação do estatuto do grêmio, abertura de inscrições para chapas, campanha eleitoral, votação, apuração e posse da diretoria registrada em ata.

Quando a comissão eleitoral foi escolhida discutimos as regras para a formação das chapas, algumas ideias já haviam sido apresentadas no final do ano anterior, sob influência do movimento de ocupação das escolas. Os alunos gremistas entendiam que as chapas precisavam representar cada grupo de estudantes da escola, dessa forma ficou combinado que as chapas precisariam ter um número equilibrado entre meninos e meninas e contar com estudantes dos três períodos letivos, manhã, tarde e noite, assim obrigatoriamente haveria em cada chapa estudantes dos Anos Finais do Ensino Fundamental e estudantes do Ensino Médio, os dois ciclos atendidos pela unidade escolar.

A escola não possuia um local adequado para a realização da assembleia geral, dessa forma, resolvemos realizar primeiro a votação para escolha dos representantes de turma e posteriormente a assembleia dos representes. Essa decisão foi tomada em comum acordo com a gestão vigente do Grêmio, representantes de turma e grupo gestor da escola.

No material produzido pelo Instituto Sou da Paz há um modelo de Estatuto para o Grêmio, fizemos a leitura do estatuto na assembleia, na qual foram mantidos a maioria dos artigos. As alterações mais significativa aprovadas foram: a duração de 2 anos de mandato para a chapa eleita e a possibilidade de qualquer aluno matriculado na escola participar da admnistração do Grêmio, mesmo sem ter sido eleito, como colaborador. Após a assembleia o processo eleitoral aconteceu normalmente. Na posse da chapa vencedora as demais chapas foram convidadas a participar do Grêmio, mas infelizmente poucos alunos dessas chapas continuaram a participar.

Durante todo o tempo em que estive na nesta escola o Grêmio participou de reuniões de Conselho de Escola e das reuniões do MMR - Método de Melhoria de Resultados, projeto que a príncipio era experimental e em 2019 passou a vigorar em todas as escolas do Sistema Estadual de Ensino. Em 2016 o Grêmio participou do 1º Mini Seminário - Conhecer, Agir, Transformar organizado pelo Diretoria de Ensino em parceria com a Unifesp Campus Guarulhos. Nesse Mini Seminário os alunos apresentaram a palestra “Jovens Multiplicadores para a Prevenção ao uso de Drogas” em duas ocasiões, primeiro para um grupo de quatro escolas no Auditório de uma delas e depois para 20 escolas da Diretoria de Ensino no Auditório na Unicid. Durante o primeiro semestre do ano, uma vez por semana, a equipe do Grêmio se reunia para pesquisar, estudar e preparar a apresentação. Dessa preparação surgiu a ideia de continuar as reuniões semanais de formação, mas a partir de então com temas definidos pelos estudantes. Toda semana algum aluno se preparava para trazer informações sobre o assunto escolhido e compartilhar com os colegas, eu sempre preparava material de leitura e audiovisual para esses encontros que aconteciam 1 hora antes do horário de aula dos alunos, assim eles não perdiam as aulas regulares.

Nesses encontros semanais os alunos também planejavam suas ações, muitas delas em articulação com a gestão escolar ou com projetos de professores. Além disso, os integrantes do Grêmio produziam textos, desenhos e vídeos para serem compartilhados nas redes socias da escola (blog, Facebook, Youtube e o jornal eletrônico Jex) sobre temas relacionados aos encontros de formação, projetos da escola ou concursos.

Os estudantes do Grêmio participaram de vários concursos, por exemplo, Olimpíada da Língua Portuguesa, Concurso de Redação do Hospital do Amor de Barretos, Concurso Literário Faça Parte Dessa História FNDE, Concurso Minha Arte na Capa SEDUC, Concurso Cultural da Semana de Cultura de Paz - Instituto Ives Ota, Concurso Escritores pela Cultura de Paz e Concurso de Redação de Cartas - UPU União Postal Universal. Além dos concursos voltados à educação política: Parlamento Jovem Municipal, Parlamento Jovem Estadual e Jovem Senador.

No cotidiano da escola os alunos do Grêmio tinham uma responsabilidade diária, eles cuidavam da rádio escolar. A Rádio Jovem Legendário era uma pequena sala localizada no pátio, equipada com mesa de som, computador, e caixas de som espalhadas pelo pátio. Os alunos eram os responsáveis por tocarem músicas nos intervalos, os demais alunos da escola podiam solicitar suas músicas preferidas presencialmente ou fazendo comentários na página do Facebook do Grêmio. As regras em relação as músicas que poderiam tocar, volume, organização dos responsáveis e demais questões relacionadas à rádio também eram debatidas nas reuniões semanais de formação. Um detalhe sobre as nossas reuniões, elas sempre começam com a leitura de um poema, as vezes escolhido por mim, as vezes por algum dos alunos.

Uma vez por ano os alunos organizavam um programa de rádio com entrevistados e saraus temáticos (questões de gênero, consciência negra, escritores da periferia) para apresentarem no Festival do Livro e da Literatura de São Miguel Paulista, organizado pela Fundação Tide Setubal.

Contando tudo isso pode até parecer que as coisas aconteciam facilmente, ou que os alunos eram super engajados, participativos e disciplinados. Eles eram incríveis, criativos, afetuosos, mas frutos de um bairro extremamente carente e violento, essas ausências se manifestavam de diversas formas dentro da escola, muita indisciplina, pouca dedicação aos estudos e excesso de conflitos. Hoje alguns desses alunos já têm filhos, alguns estão na faculdade, alguns ainda estudam lá, alguns estão procurando um caminho, um deles está na Universidade Federal do ABC e um deles, tristemente, infelizmente, perdeu a vida na violência da cidade.