A música tocava o tempo todo. Nos
programas de TV, nas rádios. Em todos os rádios! Era uma febre, quase uma
histeria. Os motoristas e cobradores de ônibus, os garis que varriam as ruas, a moça do mercadinho, as vizinhas do prédio, todos
a ouviam. As mães que penduravam as roupas nos varais, naquele tempo as mães
ficavam em casa, cantarolavam “Você pra mim foi um sol / De uma noite sem
fim...”
A minha mãe ficava em casa. Quando
estávamos ouvindo o rádio e a música começava a tocar ela desligava. Corria da
cozinha até a sala, onde ficava o aparelho três em um, e o desligava
bruscamente. Saia da sala a resmungar qualquer coisa estranha, balançava a
cabeça negativamente e dizia que o mundo estava perdido. Eu não entendia nada,
a música era tão legal.
Quando as mães penduravam as
roupas no varal, lá em baixo, na parte comum do prédio, as crianças brincavam,
corriam e eu também. Adorava brincar de mãe da rua e chupar geladinho, mas
também apreciava muito ouvir as conversas das mães, assim, sorrateiramente, sem
ser notada. Missão difícil, pois as outras meninas queriam fazer o mesmo e era complicado
segurar os risinhos nervosos que soltávamos ao ouvir as confissões ou mesmo as
fofocas das mães. Minha mãe estava um pouco chateada, trazia sobre os olhos uma
nuvenzinha cinza, ela falava com uma outra mãe e repetiu que o mundo estava
perdido, disse nunca ter pensado que
enquanto estivesse viva ouviria uma música em que se falasse palavrão.
Palavrão? Como assim palavrão? Eu
já sabia a música de cor e não havia percebido palavrão algum. Achava que a
música falava de amor, mas comecei a procurar o tal palavrão. Se minha mãe
estava chateada com isso a coisa deveria ser feia.
“Caso do acaso / Bem marcado em
cartas de tarôt ô ô / Meu amor, esse amor de cartas claras sobre a mesa / É
assim...”
Achei! Tarôt! Só podia ser. Nossa que horror! Como alguém pôde fazer uma música tão bonita, tão legal, que a gente cantava mesmo sem ter vontade, mesmo sem estar pensando nela e colocar um palavrão desse! É, porque só podia ser tarôt. Tarôt se parece com tarado, credo que mal gosto! Mas quando se é criança algumas coisas perdem logo a importância, e sem perceber, eu já estava cantarolando “Meu amor, nosso amor / Estava escrito nas estrelas / Tava sim”. E minha mãe também.
Fabi, não é de hoje que te admiro, seu empenho como professora, seu conhecimento das letras, das mais "periféricas" às mais "centrais" (a inversão foi proposital rsrs), tudo isso começa a se apresentar nesse blog. Espero que @s alun@as consigam aproveitá-lo e todo o conhecimento que você pode transmitir nos limites da sala, seja também compartilhado nesse mundão velho sem porteira da internet.
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